Desde o seu primeiro lançamento em 2007, a franquia de Assassin’s Creed tem se mostrado como uma das mais famosas e flexíveis de toda a indústria. Com lançamentos extremamente frequentes, várias tendências são verificadas ao longo de todos os 11 jogos da franquia principal (sem contar os spin-offs), e nesta análise falaremos sobre uma nova coletânea, Assassin’s Creed: The Rebel Collection, para o Switch, que conta com a presença de Black Flag e Rogue: jogos que marcam uma evolução muito importante para a marca.
Porém, antes de começar, é importante destacar a abordagem adotada aqui. Rogue é uma sequência direta do Black Flag, tanto cronologicamente quanto por aspectos estruturais que compõem o jogo. Em uma outra situação, seria óbvio analisar eles separadamente (e isso será feito aqui em alguns pontos), porém, dada a coletânea e essa natureza sequencial, tentarei estabelecer mais semelhanças do que diferenças.
Contexto da franquia
Black Flag e Rogue foram lançados, respectivamente, em 2013 e 2014. Naquele ponto, considerando a trajetória de Assassin’s Creed do seu primeiro jogo até o mais recente (que era o III), muitas críticas começaram a ser levantadas sobre as falhas “inerentes” ao seu gênero de mundo aberto, o sistema de combate extremamente simplificado e as semelhanças entre os mesmos jogos da mesma franquia. Naturalmente, vários outros jogos passam por isso e, infelizmente, muitos se recusam a aceitar essas críticas e continuam se sustentando com a fama do produto, e não pela sua qualidade, como é o caso dos últimos jogos de Pokémon.
Nesse sentido, Black Flag já ganha o seu maior elogio por ter sido extremamente inventivo com os seus sistemas e, portanto, somente com isso justifica a sua posição de jogo favorito da franquia para muitos fãs. A adição de combate naval como um ponto central é extremamente impactante, principalmente por balancear a dificuldade do jogo em vários sentidos. Isso porque, em paralelo, outras mecânicas continuaram a ser simples, como o parkour, tão essencial à franquia, que realmente passou a se tornar tão simples quanto correr.
Porém, se em terra pular do topo de um prédio para um galho quebradiço de uma árvore é uma tarefa fácil, nos mares desviar de uma ilha pequena requer um grande domínio do seu navio. Nesse sentido, Black Flag é extremamente confiante nas suas adições, mas o melhor é que tudo isso se encaixa brilhantemente na proposta da franquia! Desde a motivação isolada de explorar momentos históricos das Grandes Navegações, até à magnitude necessária de exploração de um open world, para mim não é nenhuma surpresa ver que esse elemento se manteve presente em Origins e Odyssey (os títulos mais recentes).
Nos jogos anteriores, principalmente em Brotherhood, a exploração era limitada a poucas grandes cidades. Até certo ponto, isso faz sentido dentro do contexto histórico do jogo, mas adicionar explorações navais que conectem diversas cidades é muito mais orgânico. Para finalizar esse tópico, Rogue pode ser considerado um “Black Flag II”, só que com algumas adições relativamente problemáticas e, em geral, com menos conteúdo, mesmo que tenha uma história muitíssimo mais interessante.
What will we do with the drunken sailor?
A escolha de explorar a temática piratesca no primeiro jogo que envolvesse navios é um acerto gigantesco. Na minha primeira experiência com Black Flag, em 2013, estranhei muito a “necessidade” de vincular essas ideias com a franquia de Assassin’s Creed, justamente porque, na época, eu tinha a visão de que esses jogos nunca iriam sair da lógica stealth + open world cheio de tarefas secundárias + combate simples. Nesse sentido, sim, removendo o parkour Black Flag daria um baita jogo de piratas, talvez até o melhor.
Mas, novamente, a exploração em terra ajudou a preencher um buraco que existiria caso o jogo focasse ainda mais no seu lado naval. A adição de caças ao tesouro e uma melhora considerável ao sistema de crafting de AC III também ajudaram a minimizar a repetição das missões e busca por colecionáveis, mas de forma alguma removeram esses problemas. A centralidade em desbloquear o mapa através de pontos de observação se mantém presente, e é ainda mais enfraquecida pelo parkour simplificado, ainda mais se compararmos com o mais recente The Legend of Zelda: Breath of the Wild, que mexeu brilhantemente com algumas bases do gênero.
Esses problemas são visíveis em Black Flag e Rogue e, fazendo uma análise da franquia como um todo, a sua maior adição foi justamente o combate naval, mas é muito interessante ver como o principal problema corrigido por Origins e Odyssey aparece aqui: a falta de uma progressão boa. O já mencionado sistema de crafting é responsável pelas melhorias ao protagonista, enquanto que há algo paralelo para o navio, só que simplificado em alguns materiais básicos que são encontrados em atividades secundárias e, principalmente, ao saquear navios.
No caso das melhorias para o navio, há uma progressão mais visível, mesmo que ela seja quase que exclusivamente por números (exceto pelas novas ferramentas que são adicionadas ao longo de missões da história principal). Com o protagonista de cada jogo, ao coletar peles de animais espalhados pelas diferentes localizações, é possível aumentar a eficiência dos consumíveis, a quantidade de munição que pode ser carregada, e pouquíssimas coisas mais significantes, como a vida total do personagem. Além disso, é possível comprar espadas e pistolas que, tecnicamente, são diferentes entre si, mas num nível pouquíssimo significante. O ponto é que nada afeta a jogabilidade; apenas os números.
Jogando e analisando esses dois jogos em 2019, vejo que a adição de elementos RPG à franquia é algo extremamente necessário. Acredito que existem contornos à isso sem a adição de loots propriamente de um RPG, mas Rogue não faz nada para corrigir essas falhas evidenciadas por Black Flag.
Ambientações fantásticas
Tendo estabelecido Black Flag como um ponto alto da franquia com a ótima possibilidade de viver aventuras piratescas, Rogue surpreende com as suas áreas exploráveis e com o que eu considero que seja a história mais interessante de toda a franquia. Navegando por águas gélidas, enfrentando gangues de Nova Iorque, controlamos Shay, o primeiro assassino que trai a sua ordem e se une aos Templários.
Quebrar essa dicotomia superficial é algo muito importante para a longevidade dessa ficção científica que perpassa todos os jogos: mostra a fragilidade entre essa divisa e, principalmente, ajuda a evidenciar a distinção entre crença e instituição (o que pode ser aplicado brilhantemente em outras áreas, como religião). A história de Shay, mesmo que relativamente curta (se compararmos a de outros protagonistas), é interessantíssima, com profundidade e me surpreendeu com o seu clímax.
Isso me leva a propor um outro foco ao gameplay geral de Assassin’s Creed, principalmente nessa época. Acho que são jogos muito cinematográficos, mesmo que não contenham uma carga de diálogos e cinemáticas como a de um JRPG. Mas, consideremos o parkour que pode ser realizado quase que inteiramente com o apertar de um botão de o direcionamento do analógico: o efeito gerado não é a de realização mecânica, mas sim de prazer visual de ver o seu personagem executando aqueles feitos fantásticos.
O que justifica isso, em termos de jogabilidade, é a maratona de coletar todos os ícones do mapa que, naturalmente, é algo positivo para alguns jogadores, e negativo para outros, pois é algo repetitivo e “casual”. De um jeito ou de outro, a história de Rogue chama muito a atenção, tanto que não quero correr o risco de dar spoiler para ninguém!
Destino: Nintendo Switch
A Rebel Collection se junta ao AC III no Switch e chega muito bem. É impossível desviar dos downgrades visuais, mas, sinceramente, não achei eles tão impactantes, principalmente em Black Flag. Mesmo sendo jogos de mais de 5 anos, uma coleção desses dois títulos gigantes exige muito do híbrido da Nintendo, mas a sua portabilidade é excelente.
Assim como em outras versões, bugs são frequentes: doença de quase todo open world, e característica inerente à franquia. Durante toda a minha jogatina, tive 2 crashes que, graças aos autosaves, não atrapalharam muito do meu progresso, mas espero que eles lancem patches para melhorar essas questões técnicas.
Há um suporte total para basicamente todos os elementos dos jogos, inclusive DLCs e recompensas do Ubisoft Club. Infelizmente, não há multiplayer. Eu estava nostálgico para brincar por algumas horas nesse modo, mas entendo completamente a decisão de retirar essa opção, visto que depois de algumas semanas poucas pessoas jogariam ativamente e, assim, não valeria a pena a adição.
Últimos olhares
Revisitar esses títulos de peso é certamente uma tarefa interessante e, nesse caso, muito prazerosa. Analisar uma franquia é algo complexo, pois é um objeto com potenciais infinitos, caso a criatividade dos desenvolvedores possa ser explorada. Curiosamente, no cenário indie vemos essas reinvenções dentro de uma única franquia com muita frequência, como é o caso de SteamWorld, por exemplo, mas isso não significa que jogos AAA estejam sujeitos a um futuro diferente.
Assassin’s Creed evoluiu muito ao longo dos anos e, felizmente, negou a possibilidade de se tornar uma franquia de jogos “populistas” e de baixa qualidade. Black Flag é, sem sombra de dúvidas, um grande clássico da indústria, e Rogue pode surpreender muitos jogadores que, por ventura, não tenham o jogado na época do seu lançamento (como foi o meu caso). Fico muito curioso para saber os próximos passos da franquia, mas tenho certeza de que serão na direção certa.
Análise produzida com cópia digital cedida pela Ubisoft